"Despir-se", Fábio Lucas

Depois do primeiro encontro,

Decidi nada mais esconder.

Tirei toda a roupa

Despi-me de toda a vergonha

Do medo

Da dor.


Mostrei-me por inteiro

Carne e osso

Pele e pêlo

Corpo e alma.


Me exibi ao julgamento dela,

Entreguei-me por inteiro

À espera de que me visse

Sentisse

Amasse.


Compartilhei minha nudez

Meu íntimo

Todos os mais recônditos segredos.

Esperei que ela também mostrasse

As cicatrizes,

Os receios

Desejos dentre as coxas bem guardados.


Eu queria que me visse

Para que eu também pudesse ver

Seus medos,

Suas dores,

Seu corpo,

Sua alma.


Despi-me num rompante,

Inesperado para quem antes

Calou-se,

Segurou o riso,

O choro,

O desejo

E o medo.


O homem nu que ali estava

Ontem não sabia quem era

Escondia-se nas poucas palavras

Nos sorrisos amarelos

Nos olhares furtivos.


Demorei muitos anos para despir-me

De mim mesmo.

De alguém pálido

Seco e amargurado.


A nudez salvou-me.


Arrisquei que ela me negasse.


Ela se negou.

Manteve-se vestida,

Olhou-me com pena

E foi para sempre.


Minha verdade não bastou.


Senti-me livre.

Despi-me de todas as coisas fúteis

E das expectativas vãs.


Andarei nu à espera de alguém

Que também se dispa

Para ser olhada,

Amada,

Desejada por inteiro.

Fábio Lucas, 2020.

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