
"Sr. Brown", Matt Groem
Adolf entrou e fechou a porta, sentou-se na cadeira em frente à mesa e se recostou. O homem alto de um metro e oitenta, se sentia minúsculo perante sua superiora, que não passava de um metro e sessenta e cinco. Sabia que a situação prestes a se desenrolar seria tensa, mas acreditava nos seus princípios, confiava que apesar de seu erro, ela enxergaria que no fundo ele estava certo. Sendo assim, manteria o emprego. Entretanto, ela não queria dar-lhe tempo para pensar. Tão logo se aconchegou na cadeira estofada, deu início ao interrogatório.
- Sr. Brown, pode me contar sua versão da história? Perguntou a senhorita Ludwig, inclinada sobre a mesa, enquanto encarava Adolf.
De todos os diálogos mentais que criara, nenhum teve esse início. Imaginava que ela já conhecesse os detalhes, considerando a língua de seus colegas professores.
- Já se passou uma semana, isso ainda é importante?
- Sim, Adolf. Caso contrário, porque você estaria aqui? Responde Eva, com rispidez.
Eva trajava um blazer cinza, sobre uma camisa branca, com apenas o primeiro botão desabotoado. Uma saia preta e salto alto preto finalizavam sua vestimenta. Ainda utilizava pequenos brincos cintilantes, em formato de cruzes. Não gostava de passar batom para o trabalho, mas utilizava protetor labial.
- Bem, então vamos começar...
Adolf começa a contar, desde o início da aula. Cita que o tema a ser estudado era a invasão europeia no território Maia, na península de Yucatán. Conta que lhes explicou o esquema social em que viviam, as suas crenças religiosas etc. Diz que fez muitas comparações com a civilização europeia, e durante a explicação sobre os conflitos, um aluno sussurra para seu colega:
- Bem, pelo menos tiveram o que mereciam.
Mas o professor Brown não era um idoso de audição comprometida, então a afirmação do garoto não passou despercebida.
- Edward, o que você quer dizer com isso?
Adolf interrompeu a aula, precisava entender o que motivou o garoto a chegar àquela conclusão.
- Eu apenas disse que eles mereceram isso.
- Mereceram o quê? A morte? Está afirmando que algum ser humano tem o poder decidir quando uma vida deve acabar?
- Eeiii, espere um pouco, está colocando palavras na minha boca. Acontece que esses caras acreditavam em um monte de baboseira, não conheciam o verdadeiro Deus. Então porque os europeus deveriam ter piedade dessas pessoas?
Ao ouvir isso, Adolf procurou se controlar. Acreditava no método socrático e insistiria nessa abordagem.
- Edward, o fato de os Maias não compartilharem das crenças europeias, justifica suas mortes? Isso os torna pessoas ruins? Amorais? Ou até mesmo, imorais?
- Sim! Como poderiam ser boas pessoas se não conheciam os Mandamentos? Se viviam em completo pecado! Nem ao menos poderiam pedir perdão, sequer sabiam o que isso significava... Respondeu o garoto, estarrecido.
Nesse momento, até seus colegas já demonstram estar contra ele, não conseguem acreditar no que estão ouvindo. Mesmo assim, o Sr. Brown volta a insistir, bombardeando-o com novas indagações.
- Ok, então vamos tentar seguir essa linha de raciocínio. Assim como o Deus de sua religião lhe pede que cumpra com os Dez Mandamentos, também não pede ele que ame o próximo como ele vos amou? Então, porque atirar ódio contra os que são de alguma maneira, diferentes?
Edward bufou e tentou novamente sussurrar algo para o colega do lado, mas não conseguia falar baixo o suficiente. A sala estava em silêncio, então o professor e muitos alunos ouviram o que ele disse.
- Agora esse ateu de merda quer me ensinar como obedecer à Deus. Logo ele, que nem ao menos acredita na Sua existência.
Adolf cruzou a perna direita sobre a esquerda, finalizando sua história.
- Foi isso que aconteceu. Agora me diga, porque estou aqui?
- Sr. Brown, acredito que você disse algo após a afirmativa de Edward, não?
- Foi irrelevante. Adolf responde, já sentindo a corda apertar o pescoço.
- Essa negação só piora a sua situação, professor. Por favor, termine sua história, aliás, já se aproxima do fim.
- Já lhe disse, as palavras que proclamei não tem a mínima importância!
Eva Ludwig encara o professor. Está visivelmente decepcionada. Esperava que ele fosse capaz de admitir seu erro. Ao invés, só estava batendo com mais força nos pregos de seu caixão.
Na cadeira estofada de altura regulável, Eva até aparentava ser mais alta. Pegou um pequeno envelope à sua direita. O primeiro, em cima de uma pilha de envelopes iguais. Sua mesa era organizada, um reflexo de sua personalidade. Os lápis e canetas foram posicionados meticulosamente à sua esquerda, atrás de um porta-retrato. A fotografia, à vista das pobres pessoas que entravam naquela sala, era de sua filha.
- Adolf, pode ler o que está escrito aqui? Pede Eva, entregando o envelope aberto para o professor Brown, apontando especificamente uma linha.
Ele pega o envelope e lê mentalmente, antes de ler em voz alta. Então responde.
- Eu sei o que disse, não necessito de uma transcrição.
- Ótimo, já que decorou, então nem precisa ler. Agora, por favor, me diga o que você falou para Edward, em frente de toda a turma.
Adolf suspirou, já aceitara que não escaparia.
- Eu disse: "Espero que quando vislumbrar Deus, ele te olhe de cima à baixo. Então, com repugnância, te arremesse no mais paupérrimo dos Círculos do Inferno!".
- Adolf Brown, será que há algum lado bom nessa história?
- Bem... Agora eles conhecem Dante Alighieri, e sua obra-prima.
Matt Groem, 2020.